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terça-feira, 6 de novembro de 2012

Conto - II


Nenhuma luz acesa. Meia-noite de domingo. Na rua, o silêncio de um enterro. Em meu quarto, a tristeza de mil legiões em luto. Não me restava muito. Apenas alguns móveis de madeira velha, o colchão, e algumas cartas de um passado remoto. Ás vezes, algum ânimo me aparecia. Então, eu acendia a vela que ficava no canto esquerdo do criado-mudo. Não era preciso adivinhar, quando me dava conta, já estava ajoelhado sobre o restos de um assoalho devorado por cupins. À minha frente, as cartas. Cartas de um amor desmerecido. Eram lembranças de uma vida ainda cheia de luz. O cheiro da minha querida, permanecia bem vivo, diferentemente de mim. Era bom lê-las. Me sentia aquele menino apaixonado pela garota mais linda do colégio. Mas a fúria me vinha quando podia menos esperar. Era a não aceitação da minha condição. Eu estava pálido, fétido, mal vestido, com dentes careados e uma barba de se confundir com um estranho emaranhado de linhas sujas. A esperança havia me abandonado e eu não queria ver a luz do dia. Eu estava sozinho e mal podia esperar pelo meu enterro. Seria a libertação de uma alma infeliz. Sim, eu estaria livre e não precisaria mais sofrer. Parentes e velhos amigos talvez apareceriam, e seria visto pelo menos uma vez na vida como protagonista de alguma cena. Não seria má ideia. Muitas noites aqui permaneci, e até agora só quem vejo são ratos, baratas e cupins de um lugar quase sem vida. As teias de aranha me sufocam, e minhas narinas mal podem respirar em lugar tão empoeirado. Acho que vou até a cozinha. Lá tem algo que me pode ser bem útil. Luzes, me faltam luzes. Tropeço por todos os cantos. Assim não posso encontrar nada. Vou voltar, e pegar a vela. Assim eu fiz, caminhei até o armário, e encontrei sem muita dificuldade, o objeto de maior valor para mim naquele momento. A faca. Sim, uma faca velha e enferrujada, mas muito boa no corte. As luzes da esperança voltaram-se, eu sentia as emoções correndo por minhas veias sujas, era uma amargura real, e eu me sentia por completo. Caminhei junto dela, e nos dirigimos até o centro da sala principal. Não haveria palco melhor para um momento tão... perfeito. Era ali, e eu sabia. Aquele era o lugar em que eu abriria as portas para uma vida menos infeliz. Acabo de cravá-la em meu peito. Este sofrimento me parece tão real, que mal posso imaginar que estou vivendo meus últimos segundos. Ah, antes que eu vá, gostaria de lhe dizer que não a esqueci por um segundo. Guardei as cartas, todas as cartas. Bom, sinto que meu sangue se escassa e estou certo de que o tempo é agora bem curto. Até as luzes da treva. Até um dia. Não se entristeça. Estou bem. Estou triunfando como nunca em toda esta inútil vida ..

Giovana da Rocha

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