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domingo, 16 de junho de 2013

Amor Vira-lata

Uma cadelinha feia, porém graciosa. Talvez mais um dos cães que, por onde passam, exibem fome.

                                  
Naquela tarde -se não me engano, uma quinta-feira após a quarta-feira de cinzas- , saí antes para o serviço. Na calçada de casa repousava a pequenina. Pude sentir como aquele pobre e tísico animal clamava minha presença, a implorar um mínimo de atenção. Sentei-me então a seu lado enquanto aqueles olhos de vira-lata me diziam muito. Naquela incredulidade que só os animais têm, eu a via em tamanho estado de agonia que era possível ouvir gritos de dor. Acho que tudo não se passava de um protesto silencioso dos que berram escancaradamente onde ninguém faz questão de ouvir. Confesso que pouco conhecia da pobre: só o que sabia é que esta apareceu há alguns meses na vizinhança. Sabia também que é de seu costume, todas as tardes, passar bom tempo fronte à minha casa. Quando a noite cai, se eu não saio de casa e a levo um pedaço de pão, ela se põe a uivar até que, me dando por vencido, atendo aos seus pedidos.
Algo, no entanto, me tem consumido: me incomoda notar que se desenvolve em mim certo tipo de zelo crescente que é, ao mesmo tempo, tão imbecil por um animal tão... estúpido!
Foi ao parar para ver o horário, que os ponteiros me desesperaram: eu estava atrasado. Passei, então, dias a planejar algo que me solucionasse os problemas. Eu não queria(nem nunca desejei) o mal daquela cachorra. Solteiro, 41 anos, viúvo. Não seria má ideia fazer daquele cão uma companhia para mim. Não se eu fosse menos eu. Acontece que está surgindo um repúdio, ódio tolo, por aquele bicho. Sempre incomodaram-me pessoas que mendigam atenção, todos aqueles que demonstram dependência. E eu era agora um contraditório homem de 41 anos que passa dias e noites com a mente atormentada de tanto pensar em uma cachorra de rua!
Em algum sábado de "tempos novembrinos", quando meu sobrinho passava as férias em casa, fui ao mercado. Ao abrir a porta da frente, notei que na sala de estar a cachorra repousava sobre uma caixa de papelão forrada com o meu tapete persa. Em primeira instância, a vontade foi de mandar de volta para São Paulo aquele pirralho sem miolos! Garotinho atrevido... Mas, como disse em algumas linhas atrás, já não me sinto mais aquele João Garcia, o amargurado rude homem de Nova Granada. Passaram-se 7 dias, e o garoto, que fazia questão de tomar conta da cachorra, banhava-a. Toda vez que voltava do serviço, era recepcionado por alegres pulos. Ao invés de pão amanhecido, a cachorra alimentava-se da comida preparada para nossas refeições. O incômodo persistia, mas me sentia incapaz de reverter o quadro. Meu sobrinho, aquele garoto com quem nunca consegui trocar muito afeto, pediu, pela primeira vez, para ficar mais tempo em casa. Isso era algo a ser, no mínimo, levado em consideração.
O menino passou mais uma semana comigo, depois foi-se embora com meu irmão. Fiquei mais uns dias com a cachorra, continuei a alimentá-la. No entanto, cansei-me. Sim, dei um fim na cachorra. No jantar da noite passada, a refeição foi especial: um generoso pedaço de filé recheado com cacos de vidro. A noite, confesso, não foi das melhores. Os gritos me incomodavam. Até senti certo remorso. Mas foi só tapar os ouvidos com algodão que, ao cerrar os olhos, eu já dormia.

Giovana da Rocha

3 comentários:

  1. O mais sem céu nem chão amor insano
    Ama fiel o cão o amigo humano
    GK

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