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domingo, 2 de abril de 2017

Autodeclarada sobrevivente

Costumava gostar de você
Forte
Prolongado
Leve
Breve 
Do jeito que fosse

Eu não pedia muito
Eu só queria senti-lo em mim

Chamava
Nunca vinha
Eu era inteira, mas eu queria aquele sopro
Que me chacoalhasse
E tirasse a poeira

Faltava o sopro,
Sopro que viesse,
Que mostrasse ao mundo para que as cortinas servem

Acostumei-me a ser cortina
- Não de verdade - 
Mas cortina de enfeite

Enfeitava sua janela
Enquanto você tirava férias

Ansiosa,
Estática
Perdi a conta:
Foram dias
Tardes
Noites 
Vendo através das janelas 
Nosso velho jardim
- hoje mato esturricado
terreno abandonado
deserto 
semi-árido sem fim- 

Ainda não entendo:
Você me escolheu
Dependurou-me
Disse que seria cortina
Que era pra embelezar a casa

Depois calou-se
Tirou férias,
Partiu

O destino? Malibu

Malibu deve ser mesmo linda
De certo, envolvente

Maldita seja
Maldita Malibu

Fiquei triste
Adoeci tentando entender

Você dizia que eu era linda
E que estava feliz com o nosso jardim

Mentiroso
Mascarou a verdade
Mentiu
Não me disse
Por que não contou?
Que minha função era não ser nada?

As férias acabaram
Aguentei firme
Da maneira que pude

Mais dias
Meses
Um
Dois
Três anos

Férias prolongadas

Eu perdoei-te,
O tempo todo

Você brincou comigo,
Mas com o tempo não se brinca,
Ele não perdoa:

Fez ao suporte o que faz com os ossos 
E às argolas o que faz aos dentes

Hoje sou o que restou
Autodeclarada sobrevivente
Argola presa à madeira podre,
Que já não segura os panos direito

Houve um tempo 
Em que busquei válvulas de escape
Hoje agarro-me na esperança de encontrar 
Alguém
Algum ser empático
Que se interesse em ajudar-me a fazer
O que já não consigo sozinha

Alguém que ofereça reparo 
A essa destruição que sofrem os seres trocados
Abandonados
Deixados sozinhos
Sem qualquer motivo



Giovana da Rocha

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